Desvendando os Impactos do Trabalho Remoto através da Análise de Redes Organizacionais

García Ignacio • 3 de setembro de 2023

A era do rendimento

     Somos uma espécie essencialmente social, produto emergente de uma complexa rede de relações com “outros” com os quais não estamos parentalmente vinculados - como sim acontece com os denominados insectos sociais, por exemplo - e com quem cooperamos amplamente nas mais diversas empreitadas. 


Durante 95% da nossa existência como Homo Sapiens, não existiu uma clara distinção - nem mesmo o termo - entre o trabalho e outras atividades da vida, como rituais, aprendizado e lazer. inegavelmente, a vida era mais integrada e isso mudou drasticamente com a Revolução Agrícola e solidificou-se com a Revolução Industrial, a partir da qual nos transformamos em workaholics


No livro "A Sociedade do Cansaço", o filósofo contemporâneo Byung-Chul Hanafirma que vivemos numa era caracterizada pela incessante busca do rendimento (Han, 2012). Mesmo quando parece que dispomos de mais tempo livre devido à tecnologia (especialmente os smartphones), estamos constantemente gerando dados voltados para maximizar a produção e o uso do tempo de suposto "lazer", que mais nos cansa do que revitaliza.


Na "Era do Rendimento", a busca incessante por eficiência e sucesso torna-se uma pressão internalizada, levando à exploração constante de si mesmo. Han critica o papel da tecnologia e das redes sociais, que mantêm as pessoas sempre disponíveis e conectadas, resultando em fadiga e ansiedade.


Por outro lado, nossa habilidade de operar em amplas redes nos dá uma grande vantagem adaptativa para fazer frente às mudanças repentinas de contexto, muitas delas criadas por nós mesmos. Podemos denominar isso como evolução no sentido de transformação, não necessariamente de progresso ou avanços em áreas abertas ao debate, como o aumento ou detrimento da qualidade de vida ao longo da história.


As transformações adaptativas mais notáveis decorreram das revoluções tecnológicas, desde a revolução neolítica até a revolução industrial. Todas elas tiveram um impacto definitivo na maneira como nos (re)organizamos em rede.


Hoje, tudo indica que estamos no meio da quarta revolução industrial, que engloba um amplo sistema de tecnologias avançadas como inteligência artificial, robótica, internet das coisas e computação em nuvem, as quais estão alterando as formas de colaboração para a produção.



O catalisador da Pandemia.


O processo de transformação que vivenciamos foi acelerado drasticamente pela recente Pandemia do Coronavírus. Ela foi tão traumática que parecemos tentar apagá-la de nossa memória coletiva (um fenômeno comum com traumas e transformações do tipo). Durante esse intenso período, que segundo a OMS foi de janeiro de 2020 a maio de 2023, ocorreu o maior experimento social de trabalho remoto já conduzido.


Embora a tendência do home office não fosse nova e já estivesse sendo discutida e até implementada em certas áreas, a pandemia forçou o esvaziamento abrupto dos espaços de trabalho corporativos e transferiu a responsabilidade de adaptação para os colaboradores, que precisaram rapidamente reconfigurar seus lares para inserir neles a esfera do trabalho.


Ainda estamos nos adaptando ao home office, navegando entre o aconchego, a privacidade e o senso de controle que o espaço doméstico nos oferece, ao mesmo tempo em que enfrentamos a ansiedade de perder os espaços valiosos de interação informal (lembram do cafezinho?) e as cruciais informações contextuais e paratextuais que o ambiente presencial proporciona, além da empatia pelo outro facilitada pela corporalidade. Um "outro" que, como nós, está se acostumando com a descorporalização, que lhe possibilita o controle de filtrar sua espontaneidade, como se fosse uma performance, curar, ligar/desligar os sons, imagens e palavras proferidas em reuniões virtuais. A fibra humana que nos é inherente, parece estar começando a vibrar em outra sintonia. 


Essas observações estão em consonância com pesquisas como a pesquisa Global de Espaços de Trabalho da IWG, na qual 22% dos entrevistados apontam a dificuldade de desconexão do trabalho como a principal queixa do home office, seguida por solidão (19%), problemas de comunicação (17%), distrações em casa (10%) e discrepâncias nos horários entre equipes (8%).



O impacto do trabalho remoto nas redes organizacionais. 


No nível organizacional, a dispersão e o isolamento físico das redes de trabalho estão evidenciando claramente seu impacto no enfraquecimento das culturas organizacionais, produtividade e bem-estar dos colaboradores. 


Com mais de 15 anos de experiência em Análise de Redes Organizacionais (ONA), tenho examinado como as redes se adaptaram às recentes mudanças antes, durante e depois da pandemia. 


A ONA nunca foi tão relevante como agora, pois, além de auxiliar na compreensão e gestão de redes organizacionais, ajuda a esclarecer a dificuldade de mensurar o impacto do trabalho remoto prolongado em aspectos como cooperação, motivação e inovação dos profissionais.


Partimos do pressuposto de que, hoje mais do que nunca, são as redes informais de cooperação que determinam como o trabalho é executado no cotidiano, independentemente da estrutura formal da organização. Ambas, formal e informal, coexistem como faces da mesma moeda (García, HBR, 2011) e devem se retroalimentar, criando sinergias. No entanto, a realidade mostra que isso ocorre raramente, particularmente em um contexto de relacionamentos virtuais. 


De todas as organizações mapeadas durante 2019 e 2023 em segmentos e indústrias que vão desde a geração de energias, redes de estudos diagnósticos e estudos de advocacia, observa-se sempre uma diminuição na densidade dos relacionamentos chamados de alto rendimento: aqueles que são percebidos como agregadores valor na rede, seja pela relevância das informações trocadas, a capacidade de motivar-se mutuamente ou de trocar novas ideias para fazer melhor o trabalho.

Nota: para mais informações sobre o modelo de diagnóstico utilizado, ver o artigo originalmente publicado na Harvard Business Review AQUI


De todas as organizações mapeadas por mim e a minha equipe entre 2019 e 2023, em setores que variam de geração de energia até o jurídico, observamos uma redução generalizada entre 5% e 15% na densidade de relacionamentos de alto rendimento. Por outro lado, houve um aumento na centralização da rede em colaboradores específicos que passaram a exercer maior influência do que antes. 


Redes menos densas (interconectadas) e mais centralizadas (dependentes de poucos nós da rede) tendem naturalmente a ser menos resilientes, adaptáveis e eficientes. Pelo contrário, redes densas, com vários caminhos e pontes para conectar pessoas diversas e com as influências descentralizadas em vários, permite que a rede não se quebre - frente a saída de funcionários, por exemplo - e que se adapte e inove com maior facilidade. 


Outro dado relevante que emerge da comparação dos casos recentes de mapeamento de redes organizacionais no Brasil é que as relações de "capital social de vinculação", entre colaboradores que já possuíam afinidade prévia às relações virtuais, aumentaram significativamente (entre 5% e 15%), enquanto os laços de "capital social puente", que conectam atores diversos, diminuíram em proporção equivalente, conferindo maior poder de rede àqueles que já ocupavam posições estratégicas de união entre diversos elementos (os "construtores de pontes"). 


Redes com poucas pessoas “pontes” conectando áreas diversas (os “outros” dentro da organização) tendem a ver reduzida a sua capacidade de comunicação capilar e integração entre áreas, regiões e comunidades internas, passando a depender das suas lideranças locais (os “hubs” de cada cluster). Em termos de capacidade adaptativa e de inovação, um maior capital ponte ("bridging social capital") é mais estratégico do que um maior capital de vinculação local ("bonding social capital"). 



Os modelos híbridos e a melhora da cooperação. 


Assim como o ápice da pandemia presenciou o fenômeno conhecido como a "Grande Resignação", marcada por um alto número de demissões voluntárias, o início de 2023 foi marcado por uma onda de demissões em massa, conhecidas como "layoffs", principalmente nos setores de tecnologia, startups e saúde. Esse movimento contraditório tem diversas interpretações, mas o que importa aqui é que a ideia de que o home office é mais produtivo não é mais tão aceita, e o mercado está buscando modelos híbridos que equilibrem produtividade, saúde e senso de pertencimento.


Por outro lado, as pesquisas recentes sobre recrutamento indicam que, no Brasil, a maioria dos profissionais está relutante em retornar integralmente ao escritório, sendo que 76% consideram o modelo híbrido ideal (Robert Half, 2023).


Como diria o filósofo grego Aristóteles "a virtude está no caminho do meio". Os modelos híbridos podem variar e ser criativos, desde empresas que adotam formatos híbridos fixos até aquelas que permitem aos colaboradores escolherem a modalidade que eles preferirem, possibilitando uma experimentação contínua e colaborativa do melhor modelo a ser seguido. Uma certeza é que, como já me disseram executivos recentemente: "a conta pelo prolongamento do trabalho remoto está chegando”. De fato está chegando e a moeda com a qual terão que pagar - caso não passem a pensar e gerir as suas organizações baseados em modelo de redes cooperativas - é intangível e está em alta: o Capital Social corporativo. Perder capital social corporativo implica em perder competitividade, senso de pertencimento e habilidades de inovação e adaptação em rede. O momento é agora!


Artigo originalmente publicado no LinkedIn AQUI.

Por looka_production_137879169 18 de setembro de 2023
This is a subtitle for your new post
Por García Ignacio 18 de setembro de 2023
Entrevista extraída da edição de setembro da revista Diálogos IRELGOV .
Por García Ignacio 18 de setembro de 2023
Artigo publicado originalmente no portal do Irelgov em julho 13, 2022, baseado na palestra ministrada pelo autor durante o II Congresso Internacional IRELGOV. C ostumo começar minhas dissertações e artigos relembrando que sempre vivemos em rede, e sempre nos organizamos em comunidades. Estas duas caraterísticas são inerentes à nossa essência como espécie social, desenhada para interagir em pequenos grupos de relacionamentos próximos, baseados na confiança e na reciprocidade. Entretanto, eventos super recentes na maneira de nos organizarmos socialmente abrem caminhos para interagir em comunidades diversas, concomitantes e virtuais, incrementando (muito além da nossa capacidade de processamento) conexões e fluxo de informações. Com base em quase duas décadas de mapeamentos contínuos, em diversos ambientes e países, resumo estas mudanças recentes, produzidas fundamentalmente pela capacidade de “descorporalizarmos” das mídias sociais, nas seguintes caraterísticas de redes humanas: Hiperconectividade de relacionamentos; Polarização de narrativas; Viralização acelerada de percepções; Multiplexidade de vínculos e tipos de stakeholders. A importância da multiplexidade para o profissional de RIG Destas quatro caraterísticas mencionadas acima é a multiplexidade que gostaria de aprofundar aqui. Pois, para o profissional de RIG (Relações Institucionais e Governamentais) é fundamental entender que hoje, mais do que nunca, devem ser contemplados nos seus mapeamentos uma diversidade maior de stakeholdersenvolvidos, direta ou indiretamente, com os issues e temas de interesse (inclusive como parte do processo de definição ou materialização dos issues prioritários). Sim, tradicionalmente eram apenas considerados os stakeholders legislativos e da própria indústria; hoje precisamos entender as relações de influência e fluxos narrativos da sociedade civil e suas intrincadas articulações. Em complemento à multiplexidade de tipos de stakeholders, resulta imprescindivelmente que o mapamento de redes contemple também os diversos tipos de vínculos que conectam os stakeholders, adicionando camadas de relacionamento diferentes, tais como: trabalham juntos na mesma organização, integram determinada associação ou partido, escreveram artigos juntos, financiam ou apoiam determinadas iniciativas, se seguem ou comentam nas mídias sociais, etc. Veja que apenas os últimos dois são vínculos estritamente de mídias sociais e, dependendo do caso, os menos relevantes para o mapeamento de redes de stakeholders. Eis aqui mais um ponto importante: o mapeamento de múltiplos stakeholders deve contemplar não apenas vínculos de influência e fluxos narrativos vindos estritamente do ambiente online, e sim integrar todas aquelas fontes on, off e híbridas dispersas . A própria rede emergente revelará quais são os stakeholders e vínculos que emergem como críticos para a viralização de determinados issues. Quais os níveis de mapeamento de comunidades? Agora que observamos o que não mudou e o que mudou neste mundo, que esteve sempre em rede, gostaria de desafiar vocês a pensarem que existem diversos níveis de mapeamento de comunidades, não apenas circunscritos à comunidade de proximidade. A seguir sintetizo o que, acredito, são os cinco principais níveis de mapeamento de comunidades : O primeiro nível é o interno ou da Comunidade Primordial , outrora objeto de mapeamento das áreas orientadas aos recursos humanos e desenvolvimento organizacional. Hoje é crítico que o profissional de RIG compreenda que o mapeamento dos seus stkakeholders internos é um capital estratégico para conduzir campanhas de engajamento que utilizem toda a força dos seus influenciadores internos. Na imagem a seguir se observa como a rede (informal) de uma organização da indústria de energias limpas identifica a posição estrutural que cada colaborador (o stakeholder interno) tem na rede de cooperação, independentemente da sua posição e hierarquia formal. Nesta mesma imagem, é possível destacar (em vermelho) aqueles influenciadores ou mobilizadores internos relacionados com determinados temas de interesse. Trata-se de um raio x de quem é quem dentro da organização, vital para muitos projetos que precisam de mobilização e articulação de dentro para fora. Figura 1. Rede (informal) de cooperação em empresa do segmento de energias limpas. Os pontos vermelhos são os colaboradores com maior influência interna. Elaborado com LivingStakeholders®. 2. O segundo nível é o local ou das Comunidades de Proximidade corresponde ao território físico tradicionalmente mapeado quando se trata de entender e fortalecer a Licença Social para Operar (ou LSO). Aquí os atores são mais capilares, diversos e, muitos deles, offline. A medida que vamos nos afastando nas esferas de interação (níveis III. Regional, IV. Nacional e V. Internacional), obtemos um panorama cada vez mais integrado, dinâmico e sistêmico do ecossistema de relacionamento onde a organização está ou pretende estar inserida, sendo mais fácil a posterior segmentação e análise específica de uma parte ou partes da rede de múltiplos stakeholders. 3. Por último, resumo como seria uma visão integrada de redes multi-stakeholders , de grande utilidade em tempos de ESG e materialização sistêmica : Rede Interna: revelar as redes formais e, sobretudo, informais de relacionamentos dentro das organizações onde trabalhamos possibilita enxergar quem é quem, independentemente do organograma formal, mensurando fluxos de issues e capacidades de influenciar internamente. Esta abordagem interna está relacionada com a disciplina chamada de Análise de Redes Organizacionais . Rede Externa: mapear as complexas redes de relacionamentos entre múltiplos stakeholders do governo, sociedade civil e indústria possibilita ter uma visão estratégica das dinâmicas de influências sobre issues específicos. Neste sentido a ciência de redes está revolucionado a maneira como o mapeamento de stakeholders é feito pelos profissionais de relações institucionais e governamentais. Rede Integrada: finalmente, uma visão integrada das conexões entre os atores internos e externos possibilita obter uma visão sistêmica de determinado ecossistema de negócios, respondendo a perguntas tais como: Quem são os influenciadores internos em determinados issues? Quem dentro da organização já está interagindo com stakeholders externos chaves para implementar e fortalecer as práticas de ESG? Quais as conexões que precisam ser criadas ou fortalecidas para atingir os resultados desejados de articulação de redes? Figura 2. Rede integrando stakeholders internos (amarelo) e externos (azul-claro). Elaborado com LivingStakeholders®. Para mais informações, contatar o autor. info@garciaignacio.com